ATO ADMINISTRATIVO - Como vou decidir?...
Esta página não visa estudo pra concurso, mas um enfoque prático pra quem já é empregado público e atua como agente em suas atividades despachando processos. Vamos falar de coisas que devemos ter em mente no dia a dia a cada passo que damos.
Vejamos, ato administrativo é a manifestação unilateral da vontade do agente público.
Na arena decisória existem basicamente 2 tipos de atos administrativos que tomamos no dia a dia: o ato vinculado e o ato discricionário. A primeira é vinculada à lei e a segunda deve ser decidida conforme a conveniência e a oportunidade da administração com base nos princípios de direito observando os elementos que validam o ato administrativo.
Existem 5 elementos do ato administrativo que não podemos esquecer: SUJEITO; OBJETO; FORMA; MOTIVO e FINALIDADE.
Para saber se os elementos estão presentes, basta fazer, respectivamente, as seguintes perguntas: QUEM? O QUÊ? COMO? POR QUÊ? PARA QUÊ?
A FORMA é sempre escrita, então a resposta para COMO é sempre igual? Não. Pode ser um memorando, requerimento, ofício, formulário etc. Todavia, a forma não é mais importante que o conteúdo, portanto contanto que esteja por escrito, aplica-se o Princípio da Fungibilidade para reconhecer e ressalvar qual seria a forma correta e dar andamento no processo do mesmo jeito visto 2 outros princípios em mente: Eficiência e Celeridade.
Quem pede, requere, certo? Então, por que seria "um memorando à autoridade competente" para iniciar um processo de compra? Não seria melhor um requerimento? Não seria melhor oficiar (um ofício)? A verdade é que, contanto que os 5 elementos estejam presentes, não importa. O brocardo já diz non est in actis non est in mondo (o que não está nos autos (por escrito) não está no mundo (juridico ou administrativo).
É muito comum encontrar memorandos e despachos sem explicar exatamente o por quê e o para quê, principalmente quando se pede alguma coisa: trata-se somente o objeto da compra, não se diz o motivo e nem a finalidade que a justifica. Quem pede acha que não tem que dar maiores explicações a não ser sobre as especificações do produto ou serviço. O ato de escrever é um grande problema para a maioria das pessoas, às vezes não se sabe nem pedir o que se quer e acabamos por comprar outra coisa diferente.
O que muitos não se dão conta é que explicar o MOTIVO e a FINALIDADE complementam a identificação do OBJETO e são importantíssimos para uma compra de qualidade. Muitas vezes são elas que realmente identificam o objeto, pois conhecendo a necessidade, conhecemos o que deve satisfazê-la.
Se o setor de operações pede um rádio portátil e diz que é para os agentes de estação se comunicar entre si para liberar o trem num raio de 9km, então sabemos que o objeto é, na verdade, um rádio transceptor (ou, rádio comunicador). Se o setor não tivesse dito o motivo e a finalidade, provavelmente seria comprado um rádio portátil para ouvir música, nada a ver com o que se pretendia comprar. Viu como é importante os 5 elementos?... (este exemplo foi um caso real)
Se você está do outro lado pleiteando alguma coisa na Administração, não esqueça que as razões são mais importantes que os fundamentos, pois sabendo os motivos temos condições de depreender os fundamentos, mas a recíproca não é verdadeira. Toda petição deve estar essencialmente municiada de argumentos e fatos detalhadamente relatados. Citar os fundamentos (a lei) também é importante, mas é acessório.
Lembre-se: A decisão é indelegável. Você não pode despachar nada pra ninguém decidir no seu lugar. O administrador tem a obrigação de examinar a correção dos processos para corrigir eventuais disfunções na administração. Segundo o Princípio do Livre Convencimento a decisão da administração é desvinculada de qualquer parecer jurídico ou técnico, exceto quando o parecer é vinculante (quando a lei exige tal parecer). É de bom alvitre que a Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência, conforme art. 48 da Lei 9.784/99 – Lei de processo administrativo federal.
É importante salientar que a abstração da lei não tem como englobar todas as situações do mundo com uma decisão justa já pronta (vide Princípio da razoabilidade). Cada caso tem que ser analisado individualmente com base nos princípios do direito, por isso é comum dizer nos tribunais que "não existe causa ganha".
DICA: Tudo o que é justo e razoável deve ter fundamento jurídico em algum lugar (pode procurar na legislação), mas atenção: nem tudo o que é justo é legal e vice-versa. -Dura lex sed lex (a lei é dura, mas é lei).
ATO VINCULADO
O ato vinculado é objetivo, pois o legislador já previu a situação e decidiu o que fazer nestes casos na lei. O gestor tem que cumprir o que está na lei, é o princípio da legalidade. Quando o ato é vinculado não há uma possível outra escolha do agente público.
Os pareceres e Súmulas da Advocacia Geral da união (AGU) são vinculantes conforme a Lei Complementar 73/93, senão vejamos:
Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.
§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.
§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência.
Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República.
Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.
Art. 43. A Súmula da Advocacia-Geral da União tem caráter obrigatório quanto a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 desta lei complementar.
INTERPRETAÇÃO DAS LEIS
Para a correta aplicação dos atos vinculados devemos saber interpretar corretamente as leis, vejamos alguns métodos:
MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL:
São os postulados hermenêuticos para que o intérprete possa fazer uma boa interpretação (ou seja, uma interpretação segura, consistente, constitucionalmente adequada). Esses métodos e postulados geralmente não se excluem, antes se complementam. Aliás, um bom exercício hermenêutico é fazer uma "prova dos nove": testar mais de um método para saber se é possível chegar a um mesmo significado.
Método tradicional ou jurídico-clássico: foram sistematizados por Savigny para a interpretação das leis em geral, mas também são válidos (com algumas ressalvas) para a interpretação constitucional. Baseia-se em alguns outros métodos, quais sejam:
Interpretação gramatical ou literal: cuida-se de apreender o significado da assertiva normativa, ao pé da letra, colhendo apenas o significado só das palavras. Não é suficiente para a construção de uma interpretação adequada, mas é imprescindível para fixar os limites dos quais o intérprete não pode se afastar, sob pena de violentar o texto da norma. Ex: o art. 20, IV, determina que são bens da União "as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios". Nesse caso, é preciso realizar uma interpretação gramatical para fixar que "destas" se refere a "as [ilhas] costeiras".
Interpretação lógico-sistemática: tem pressuposto a visão da lei como um todo, um conjunto. Assim, não se pode interpretar uma disposição da lei sem ter em mente os demais dispositivos. Deve-se interpretar a lei em conjunto, e não aos pedaços. Ex: de acordo com o art. 12, §3º, alguns cargos são privativos de brasileiros natos. Porém, só tendo lido o §2º do mesmo art. 12 é que se pode saber que esse rol de cargos privativos é exaustivo (não admite ampliação), salvo outra previsão também constitucional.
Interpretação histórica: leva em conta a evolução do sistema normativo para fixar o conteúdo da norma. Por exemplo: a antiga redação do art. 12, §1º, da CF, previa que "aos portugueses (...) serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros natos"; após a ECR nº 3/94, retirou-se a palavra "natos", o que sugere, numa interpretação histórica, que os direitos agora reconhecidos são os de brasileiro naturalizado.
Interpretação teleológica: busca fixar o significado da norma de acordo com a finalidade (telos) que razoavelmente dela se espera. Recaséns Siches dá o exemplo de uma norma alemã que proibia o acesso de cães aos vagões dos trens. Um homem tentou, então, embarcar com um urso (!), alegando que a norma proibia apenas os cães. Por meio de uma interpretação teleológica, porém, fixou-se que, se os cães eram proibidos, com muito mais razão deveria ser vedado acesso de ursos.
Métodos específicos da interpretação constitucional: são métodos que não se aplicam às normas jurídicas em geral, mas sim foram desenvolvidos tendo em mente especificamente a interpretação da Constituição, com suas peculiaridades:
Método tópico-problemático: sistematizado por Theodor Viehweg, no livro "Tópica e Jurisprudência", tal método se baseia no fato de que a interpretação é uma constante resolução de problemas. Isso deve, então, ser feito com base na argumentação, utilizando pontos de vista aceitos pela sociedade (topoi), de modo que a melhor interpretação é aquela que consiga melhor convencer. Esse método, embora tenha seus méritos, é criticado por abrir demais a Constituição, aceitando qualquer significado, desde que haja uma boa argumentação. Vale, então, a ressalva de Inocêncio Mártires Coelho, para quem "processualizada, a lei fundamental apresenta um elevado déficit normativo, pois a pretexto de abertura (...) o que se faz é dissolver a normatividade constitucional na política e na interpretação" [01].
Método hermenêutico-concretizador: tem por base a idéia de que interpretar e aplicar o Direito são uma só tarefa; interpretar é utilizar uma norma geral para resolver um problema específico; é partir do geral e abstrato para o individual e concreto; é, pois, concretizar a norma. Assim, "aplicar o direito significa pensar, conjuntamente, o caso e a lei, de tal maneira que o direito propriamente dito se concretize" [02]. As duas características básicas desse método são: a) o reconhecimento das pré-compreensões do intérprete, das quais ele parte para concretizar a norma; b) a valorização do caso concreto, atuando o intérprete como um "mediador" entre a norma e o caso concreto, tendo por ambiente os valores sociais. Cabe, então, ao intérprete-concretizador, elaborar um constante "ir-e-vir" (círculo ou espiral hermenêutico) da norma ao fato e do fato à norma, para então concretizar a Constituição.
Método científico-espiritual: elaborado por Rudolf Smend, parte do pressuposto de que a Constituição não se esgota na "letra seca", mas contém também um espírito, um conjunto de valores que lhe são subjacentes. Cabe ao intérprete, pois, interpretar a Constituição como algo dinâmico, em constante modificação e tendo em vista os valores da sociedade, não se atendo apenas à "lei seca", mas também ao espírito da Constituição. Tem o inegável mérito de evidenciar a importância dos valores e do "olhar para a sociedade" para interpretar a Constituição.
Método normativo-estruturante: debate sobre a estrutura da norma. Sabe-se que o texto constitucional nada mais é do que um conjunto de signos que, em si, nada significam. A norma é um significado – por isso se diz que só existe norma depois de haver uma interpretação, e que é o intérprete que constrói a norma. Com base nisso, Friedrich Müller enxergou uma diferença entre a norma (significado, resultado da interpretação) e o texto da norma (dispositivo normativo, o ponto de partida): o dispositivo é um dado; a norma, algo construído pelo intérprete. É fundamental para o intérprete, antes de chegar à norma (significado), promover uma integração entre o programa normativo (texto da norma) e o âmbito normativo (o conjunto de fatos com os quais o texto da norma está "envolvido").
Fonte: CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Roteiro de interpretação constitucional. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13682>. Acessado em: 21 jul 2010.
Com o tempo você vai aprendendo a entender o espírito da lei, ou seja, o que ela realmente quer dizer.
O TCU já decidiu (Acórdão 984/2004 - Plenário): A interpretação deve visar ao espírito da lei, que liberta, enquanto a simples letra aprisiona.
Nisso até Deus concorda: [...] porque a letra mata e o espírito vivifica. (2 Coríntios 3:6).
É preciso conhecer a hierarquia vertical das leis também (art. 59 CF):
I – Constituição;
II - Emendas Constitucionais;
III - Leis Complementares;
IV - Leis Ordinárias;
V - Leis Delegadas;
VI - Medidas Provisórias;
VII - Decretos Legislativos;
VIII - Resoluções.
O ordenamento jurídico é um complexo normativo hierarquizado e escalonado. -Adolf Julius Merkl
O conjunto de tudo isso chamamos de "ordenamento jurídico"; "regramento jurídico"; "diplomas legais" etc. É importante saber a função, poder e o papel de cada diploma legal citado acima. Saiba o que é pertinente a licitação no link Ordenamento Jurídico.
Por exemplo, um decreto tem por finalidade estabelecer o fiel cumprimento da lei, portanto não pode tratar nada do que lá não está, pois se assim o fizer estará tentando inovar o ordenamento jurídico que não é o seu papel. Portanto, se a lei disser uma coisa e o decreto outra, a regra é seguir o que está no diploma legal hierarquicamente acima (neste caso, deve seguir a lei). Parece ridículo, mas o regramento júrídico que orbita na licitação é cheio de decreto e instrução normativa tentando inovar o ordenamento jurídico: muito cuidado! Saiba como resolver estes conflitos no tópico à seguir.
CONFLITO ENTRE NORMAS, A ANTINOMIA
Nas licitações eu costumo dizer que somos colocados reféns dos auditores porque há muitos conflitos entre os diplomas legais, isto é, um diploma legal querendo fazer o papel de outro hierarquicamente superior. Um decreto não pode inovar o ordenamento jurídico (mudar o que tem na lei), fique atento! Estes conflitos legais chamam-se "antinomia" e tem remédio! É imprescindível aprender como tratá-las para atuar na licitação: -E na administração pública.
Critérios TRADICIONAIS para solução das antinomias
Para haver conflito normativo, as duas normas devem ser válidas, pois se uma delas não o for, não haverá qualquer colisão. O aplicador do direito ficará num dilema, já que terá de escolher e sua opção por uma das normas conflitantes implicaria a violação da outra.
A ciência jurídica aponta, tradicionalmente, os seguintes critérios a que o aplicador deverá recorrer para sair dessa situação anormal:
I – O hierárquico – baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra, embora, às vezes, possa haver incerteza para decidir qual das duas normas antinômicas é a superior. O critério hierárquico, por meio do brocardo lex superior derogat legi inferiori (norma superior revoga inferior), de forma a sempre prevalecer a lei superior no conflito.
II – O cronológico – que remonta ao tempo em que as normas começaram a ter vigência. O critério cronológico, por intermédio do brocardo lex posterior derogat legi priori (norma posterior revoga anterior), conforme expressamente prevê o art. 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil.
III – O de especialidade – que visa a consideração da matéria normada. A superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho da justiça, da legalidade à igualdade. O critério da especialidade, por meio do postulado lex specialis derogat legi generali (norma especial revoga a geral), visto que o legislador, ao tratar de maneira específica de um determinado tema faz isso, presumidamente, com maior precisão.
Fonte: CAPEL FILHO, Hélio. Antinomias jurídicas. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6014>. Acessado em: 21 jul 2010.
O primeiro critério da hierarquia vertical das leis já havíamos falado; o segundo diz que a lei mais recente prevalece sobre a mais antiga e a terceira diz que a lei especial prevalece sobre a geral. Por exemplo, a Lei 10.520/02 (especial do pregão) prevalece no pregão sobre a lei 8.666/93 (lei geral), ou seja, no pregão o que já estiver sendo tratado na lei 10.520 não pode ter interferência da lei 8.666, mas apenas as lacunas daquela são tratadas subsidiariamente por esta.
Quando analisar recursos de uma licitação, certamente haverá conflitos entre princípios. Por exemplo, o licitante 1 alegando que os princípios A, B e C estão do seu lado, enquanto que, o licitante 2 alegando que os princípios X, Y e Z estão do seu lado e assim por diante. Neste caso, devemos pesar os valores que estão sendo colocados em cada princípio na balança do interesse público para observar o que é mais importante mexendo o equilíbrio e tomar a decisão mais acertada.
ATO DISCRICIONÁRIO
Já o ato discricionário não foi previsto objetivamente na lei, então o gestor deverá escrever os motivos pelos quais o levou à tomada de decisão. Esta decisão não deve ser tomada simplesmente pela volição, intuição ou "achismos" do agente público, pois o interesse público é indisponível, mas deve ser balizada com base em princípios. Se o motivo não tiver nexo com a decisão, irá de choque com o Princípio dos Motivos Determinantes, portanto não dê falsos motivos porque tornará anulável o ato administrativo.
O baluarte do ato discricionário robusto são os princípios. Tudo o que pode ser contestado deixa fragilidade no processo e pode torná-lo nulo.
Veja a seguir uma espécie de mapa da arena decisória.
Fonte da imagem: Apostila do curso de pós-graduação em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria do Centro Universitário CESMAC da matéria de Estatística para Decisão e Métodos Quantitativos do mestre Antônio Jessé Leite.
Se você pensou que os atos discricionários eram os mais fáceis, acredito que se enganou, pois veja os tópicos à seguir necessários para dar sustentação a eles. Tudo o que você decidir precisa ter base em princípios.
PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Lei 8.666/93.
Veja os conceitos de cada princípio no link: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=752
As informações dos tópicos de 1 a 3 adiante foram consultadas do material didático da disciplina de Direito Público do curso de pós-graduação em Administração Pública do CESMAC, turma "B", professora Cláudia Muniz, 2009-2010. Não podemos atuar na arena descisória sem conhecer o Direito Administrativo.
1. O DIREITO ADMINISTRATIVO
É o ramo do direito público que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem.
O Estado não é senão um conjunto de serviços públicos. -Duguit
2. PRINCÍPIOS BASILARES DO REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO
São dois:
Supremacia do interesse público sobre o privado;
Indisponibilidade do interesse público.
As pessoas administrativas não tem disponibilidade sobre os interesses públicos, mas apenas o dever de curá-los nos termos das finalidades predeterminadas.
Legalmente compreende-se que o interesse público esteja ligado aos seguintes princípios:
da legalidade;
da obrigatoriedade do desempenho de atividade pública;
do controle administrativo ou tutela;
da isonomia;
da publicidade;
da inalienabilidade dos direitos concernentes a interesses públicos;
do controle jurisdicional dos atos administrativos.
3. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Existem os expressos e os implícitos, vejamos algumas características de cada um:
1. Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado;
-atos unilaterais, revogação e anulação dos atos;
-remédios constitucionais.
Acredito que é conveniente salientar que quando há sacrifício do Direito de alguém é responsabilidade pública nivelar os prejuízos, isto é, esta prerrogativa do Estado é compensada com a indenização do particular/privado.
2. Princípio da legalidade ( arts. 5º, II; 37 caput e 84, IV);
-É específico do Estado de Direito.
-É a completa submissão da administração às leis.
-A administração não pode fazer nada senão o que a lei determina.
Ressalvas: Medidas provisórias, estado de defesa e estado de sítio.
3. Princípio da finalidade (radica-se nos mesmos fundamentos do princípio da legalidade);
-É inerente ao princípio da legalidade, é a aplicação da lei, tal qual ela é.
-Desvio de poder ou desvio de finalidade - atos nulos.
A destinação da competência do agente precede a sua investidura. - Caio Tácito
Acredito que isto deriva da interpretação teleológica da lei, ou seja, entender o espírito dela (essência da sua existência) e sua destinação para entender seus limites de aplicação. Levar do "Ponto A ao Ponto B", pra quê veio e para onde vai a lei.
4. Princípio da razoabilidade (estriba-se nos mesmos fundamentos do princípio da legalidade e da finalidade);
-Evitar a prévia adoção em lei de uma solução rígida, única.
-Escolha da providência mais adequada ante a diversidade de situações.
É utilizar a razão, raciocínio.
Vejamos o quanto um dicionário pode nos ensinar sobre este princípio: (dicionário eletrônico Michaelis)
ra.zão
s. f. 1. O conjunto das faculdades anímicas que distinguem o homem dos outros animais. 2. O entendimento ou inteligência humana. 3. A faculdade de compreender as relações das coisas e de distinguir o verdadeiro do falso, o bem do mal; raciocínio, pensamento; opinião, julgamento, juízo. 4. Mat. A relação existente entre grandezas da mesma espécie. 5. Explicação, causa ou justificação de qualquer ato praticado; motivo. 6. Argumento, alegação, prova. 7. Proporção, comparação. 8. Percentagem, taxa de juros. S. m. Com. Livro onde se lança o resumo da escrituração do débito e do crédito. S. f. pl. 1. Questões, contendas, altercações. 2. Alegações, argumentos; justificação. (grifos nossos)
5. Princípio da proporcionalidade (apóia-se nos mesmos fundamentos do princípio da legalidade);
-As competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas.
-Atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado.
Lembre-se da Lei de Newton: Toda ação corresponde uma reação de igual tamanho e força.
Mister salientar que quando não utilizamos o meio correto para atingir um fim, ferimos este princípio.
6. Princípio da motivação (arts. 1º, II e §único, 5º, XXXV da CF);
-Dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como, a correlação lógica entre os eventos e situações que deram por existentes e a providência tomada.
-A motivação deve ser prévia e contemporânea a expedição do ato.
-Fundamento implícito - cidadania.
-Atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam.
A falta dos motivos do ato administrativo fere de morte o direito do contraditório e a ampla defesa, por isso ele é tão grave. Como podemos nos defender sem saber do porquê estamos apanhando?
7. Princípio da impessoalidade (arts. 37, caput e 5º, caput da CF);
-A administração tem que tratar a todos sem discriminação.
Exemplo: licitação e concurso.
Toda vez que o gestor coloca o seu sentimento, querer e interesse particular, está violando este princípio. Impessoal é "tirar a pessoa" e pensar com os princípios.
8. Princípio da publicidade (arts. 37, caput e 5º XXXIII e XXXIV);
-Direito a informação
-Habeas data;
-Sigilo (Exceto investigação policial e interesse público)
9. Princípio do devido processo legal e da ampla defesa (art, 5º, LIV e LV);
-Exigência de um processo formal regular para que antes da administração tomar decisões gravosas ao particular ofereça-lhe oportunidade do contraditório e ampla defesa no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas.
Inimiga jurada de arbítrio, a forma é irmã gêmea da liberdade. - Lhering
10. Princípio da moralidade administrativa (arts. 37, caput e §4º, 85, V e 5º, LXXIII);
-A administração tem que atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito.
-Compreende os princípios da lealdade e boa-fé.
11. Princípio do controle judicial dos atos administrativos (art. 5º XXXV);
-Unidade de jurisdição.
-Nenhuma contenda sobre direitos poderá ser excluída da apreciação judicial.
-Alvos: atos discricionários e princípio da eficiência.
12. Princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos (art. 5º, XXXV);
-A responsabilidade se aplica a quaisquer funções públicas.
-A responsabilidade do Estado é objetiva para atos comissivos dele mesmo e subjetiva para atos omissivos.
-Aplica-se os mesmos critérios às pessoas de Direito privado prestadoras de serviço público.
13. Princípio da eficiência (art. 37 caput);
-Deve ser concebido na intimidade do princípio da legalidade.
-Princípio da boa administração do Direito Italiano.
Dentre todas as opções da arena decisória, o agente público deve escolher a melhor delas, jamais a pior. O ato pode até ser anulado se for provado que a administração deveria ter tomado outra medida mais adequada e não tomou, dependendo da gravidade.
14. Princípio da segurança jurídica.
-O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social.
-Os institutos da prescrição, decadência, preclusão (na esfera processual), usucapião, irretroatividade da lei, direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito.
O indivíduo não pode alegar o desconhecimento da lei em benefício próprio, pois implicaria na segurança jurídica e eficácia das leis. Portanto, é melhor conhecer as leis para "saber onde está pisando" do que alegar que "não sabia de nada", não adianta se fazer de bobo, páre de se enganar!
PRINCÍPIOS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (Lei 9.784/99)
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Você consegue identificar alguns princípios acima? Vejamos:
Legalidade: I
Moralidade: III e IV
Publicidade (não listada expressamente): V
Proporcionalidade: VI
Motivação: VII
Segurança jurídica: VIII
Contraditório e ampla defesa: X
Interesse público: XIII
PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO DE FUNÇÕES
Nenhum empregado ou seção administrativa deve participar ou controlar todas as fases inerentes à execução e controle da despesa pública, mas deve ser executada por pessoas e setores independentes entre si, inclusive, possibilitando a realização de uma verificação cruzada, conforme o Princípio da Segregação de funções, derivada do Princípio da Moralidade Administrativa, esta ínsito no art. 37, caput, da Constituição Federal e aquela no Capítulo VII, seção VIII, item 3, inciso IV, da IN nº 001/2001* da Secretaria Federal de Controle Interno do Ministério da Fazenda, senão vejamos:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]
INSTRUÇÃO NORMATIVA nº 001/2001 Secretaria Federal de Controle Interno do Ministério da Fazenda
CAPÍTULO VII - NORMAS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL.
Seção VIII – Normas relativas aos controles internos administrativos.
Princípios de controle interno administrativo, Item 3.
IV. segregação de funções - a estrutura das unidades/entidades deve prever a separação entre as funções de autorização/aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio; (grifos nossos)
*Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, p. 68. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/instrucoes-normativas/in01_06abr2001.pdf>.
CONCLUSÃO
Utilize-se fartamente dos princípios listados nesta página em cada ato discricionário e saiba interpretar e aplicar a lei corretamente nos atos vinculados.
Lembre-se: Tudo o que pode ser contestado impõe fragilidade no processo.
Pesquise mais e não deixe de buscar aconselhamento, mas se ainda restar dúvida, adote o entendimento mais rigoroso. "Na dúvida, não ultrapasse".
Se você é a autoridade máxima da instituição, procure não decidir nada sozinho sempre que possível, peça balizamentos fáticos de quem é interessado ou participou ativamente no processo e balizamentos de direito da assessoria jurídica.
Perguntas inteligentes são aquelas destinadas a tirar dúvidas. Se você não tem nenhum conhecimento em determinado assunto, estude primeiro e pergunte depois.
Que Deus seja lâmpada para seus pés e luz para os seus caminhos! Não esqueça de ser humilde e pedir ajuda à Deus também. Não sejas sábio a seus próprios olhos e agradeça à Deus por tudo.
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